Ranier Bragon, Folhapress
Há mais de 30 anos uma releitura da oração de São Francisco de Assis inspira relações entre congressistas e governo federal. Como uma herança de pai pra filho, o "é dando que se recebe" citado nos anos 80 pelo líder do antigo centrão, Roberto Cardoso Alves (1927-1996), passou para o novo centrão, que agora o pratica com Jair Bolsonaro.
Eleito com a promessa de acabar com o que chama de "velha política", moldada no toma lá dá cá, o presidente iniciou nas últimas semanas negociações com o novo centrão.
O "toma lá" são os vários cargos de segundo e terceiro escalão da máquina federal, postos cobiçados por caciques partidários para manter seu grau de influência em Brasília e nos estados.
O "dá cá" é uma base de apoio mínima no Congresso para, mais do que aprovar projetos de seu interesse, evitar a abertura de um possível processo de impeachment.
Para se ver fora da cadeira presidencial, basta Bolsonaro ter contra si mais do que 342 dos 513 deputados e um clima propício à destituição –economia em frangalhos, tensão nas ruas, por exemplo.
O novo centrão, ressurgido em 2015 sob a liderança de Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso devido às investigações do petrolão, tem cerca de 200 deputados, número suficiente para barrar ameaças a Bolsonaro. E topou negociar, como reconhecem praticamente todos quando a conversa com os jornalistas se dá no chamado "off", ou seja, com repasse de informações mediante a condição de que o nome da fonte não seja revelada.
A reportagem procurou nos últimos dias oito líderes ou presidentes de partidos que se encontraram com Bolsonaro e os questionou, em "on", sem margem a anonimato, se Bolsonaro ofereceu cargos ou se cargos foram pedidos nessas reuniões.
Apesar dos vários postos que serão ocupados nos próximos dias pelo centrão, caso a palavra acertada não seja retirada, todos os que responderam negaram qualquer sinal de conversa nesse sentido.
Líder do bloco do centrão na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que chegou a gravar um amistoso vídeo ao lado de Bolsonaro, preferiu ficar em silêncio. Seguiram-no nessa decisão o presidente de seu partido, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), e o líder da bancada do Republicanos na Câmara, Jhonatan de Jesus (RR), além do próprio Planalto.
"Lista de cargos, nunca existiu isso. Quem está fomentando isso são os fuxiqueiros de plantão", disse Wellington Roberto (PB), líder da bancada do PL, segundo quem o último encontro com Bolsonaro serviu para que fosse apresentado a ele e a outros integrantes do centrão o aparato de monitoramento do governo sobre o novo coronavírus.
"Nos surpreendemos com a estrutura que o governo mostrou, e essa foi a causa maior da visita, além da nossa preocupação com os projetos votados na Câmara."
Wellington Roberto é do partido de Valdemar Costa Neto, condenado e preso no escândalo do mensalão, para quem Bolsonaro ligou mais de uma vez nas últimas semanas.
"A assessoria de imprensa do PL esclarece que Valdemar Costa Neto não comenta assuntos relacionados à pauta partidária brasileira, visto que não responde por qualquer cargo de representação política."
Presidente do Republicanos "(ex-PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus), o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), disse que se encontrou apenas uma vez em 2020 com Bolsonaro, para tratar de pautas importantes para o Brasil, como o combate à pandemia e retomada do crescimento econômico.
"[Bolsonaro] Não ofereceu cargos e nada foi tratado sobre liberação de emendas", disse, acrescentando que o partido tem apoiado todas as pautas econômicas: "80% da pauta do governo converge com o pensamento do partido, que continuará com essa postura."
Presidente do PSD, Gilberto Kassab –que ressalta que o partido não faz parte do centrão, embora integre o bloco na Câmara– disse que Bolsonaro "não ofereceu [cargos] e não foi pedido".
"O PSD continuará com sua posição de cooperação em projetos que sejam bons para o país", afirmou. Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada na quinta-feira (30), Kassab detalhou um pouco mais a situação.
"O partido é independente, ele não participa [do governo]. Alguns parlamentares do partido, até por conta dessa independência, têm tido contribuição junto ao governo, sugerindo nomes para alguns cargos. Eu não tenho acompanhado. Não há nenhum problema em relação a isso", afirmou.
Presidente do MDB, partido que integra o bloco do centrão na Câmara, mas não tem uma adesão automática, o deputado Baleia Rossi (SP) disse que se encontrou com Jair Bolsonaro ao lado de Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado, para uma "sinalização de entendimento em torno de pontos comuns" sobre propostas do governo durante a pandemia.
"Não houve conversa sobre cargos. Por isso tampouco há na imprensa qualquer especulação relacionada ao MDB."
Segundo o emedebista, foi uma conversa para sinalizar mais entendimento em torno dos pontos comuns. "É um momento de responsabilidade e equilíbrio."
Baleia diz ainda que o partido continuará votando propostas que tenham sintonia com as do governo, além de demandas próprias, como a reforma tributária, de sua autoria, após a pandemia. "Por tudo isso é necessário ter diálogo com o governo."
Apesar de não haver registro de encontro de Bolsonaro com o presidente do PTB, Roberto Jefferson, a reportagem também o procurou devido à enfática defesa que ele faz agora do presidente.
"Não converso com o presidente Jair Bolsonaro desde outubro de 2017", afirmou. Jefferson disse que o partido apoia muitas das teses e medidas do presidente, embora seja independente. Sobre cargos: "Não estamos pedindo nada ao governo, e ninguém está nos oferecendo ministério."
O único a reconhecer publicamente a oferta de cargos é o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), que diz não ter se encontrado ou falado com Bolsonaro nos últimos tempos. Ele afirma ter negado proposta do governo de indicar aliados para comandar o Porto de Santos.
Entre os cargos negociados entre Bolsonaro e o centrão estão Banco do Nordeste, Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação), Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e secretarias do Ministério de Desenvolvimento Regional, entre outros.
A reportagem também perguntou aos parlamentares se eles foram convidados a isolar politicamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alvo de ataques por parte de Bolsonaro. Todos negaram, mas Jefferson ressaltou serem notórias as suas críticas ao deputado.
Marcos Pereira diz que não entraria no mérito do relacionamento entre presidentes de dois Poderes."
"Não fui convidado e discordo. Defendo o entendimento, e os dois lados já sinalizaram nesta direção"", disse Baleia Rossi, mesma posição adotada por Wellington Roberto.