Por Urbano Martins
Zilá Gonzaga, 71 anos de rádio, morreu nesta quinta-feira (13), aos 87 anos de idade. Cantora, radio atriz e locutora. Poucos conheciam seu nome de batismo: Francisca Gonzaga.
Essa negra tem uma história fantástica. Aos dezesseis anos, queria ser cantora. Ouviu do pai: "ela vai é cantar na cinta!" O preconceito existia já dentro de casa por parte de um pai que acreditava, assim como todos os demais, que a filha deveria aprender as atividades domésticas.
Na época, ser atriz ou cantora de rádio era a mesma coisa que ser uma prostituta. Só que isso não foi suficiente para evitar que a jovem Francisca Gonzaga assumisse o pseudônimo de Zilá Gonzaga (uma homenagem à cantora Zilá Fonseca), e começasse a cantar num programa na Rádio Clube de Sorocaba. Sem saber que era sua filha nos microfones da Clube, seu pai tornou-se um admirador daquela voz afinadíssima que arrancava aplausos dos auditórios e dos ouvintes nos programas de calouros que eram levados ao vivo, nos domingos pela manhã.
Não demorou muito para começar a se tornar uma cantora de rádio de verdade. Com a chegada do primeiro salário como cantora, veio a revelação ao pai, feita pela mãe.
Pensando em seguir carreira, quando a Rádio Cacique chegou a Sorocaba, ela se cobriu de coragem e foi pedir emprego lá. É fato que as vozes femininas sempre existiram na rádio, seja de cantoras ou atrizes das radionovelas. Mas nem por isso o ambiente não era, também, ocupado quase que em sua grande maioria pelos homens.
Decepção. Não havia espaço e nem vaga para cantoras e nem locutoras, mas se quisesse, podia trabalhar como faxineira, única vaga que a emissora podia oferecer.
Aquela oferta não a frustrou. De uma forma ou outra estava dentro de uma emissora de rádio. Tocou sua rotina em meio a vassouras, escovão e panos de chão. Com suas palmas de mãos avermelhadas não temia o serviço; enquanto limpava as privadas, corredores, salas e estúdios foi observando tudo. Em seu tempo livre, a faxineira começou a fuçar, nos equipamentos, queria aprender como operá-los, e, com certa ajuda, foi pegando o jeito. Tudo muito escondido, sem que José Rubens Bismara, dono da Cacique, soubesse.
Certo dia, durante os comerciais de um programa, ela pegou alguns textos que estavam no estúdio e, sem nenhuma impostação, começou a ler os tais textos, como se o programa estivesse no ar. Claro que, como estava nos comerciais, apenas o operador e pessoas da rádio podiam ouvi-la, entre eles, o todo poderoso dono da Cacique, Rubens Bismara.
Sim. Para seus ouvidos, aquela voz era um arrebatamento de todas as que já tinha ouvido. Chamou em sua sala um funcionário e quis saber quem era a dona daquela voz, com certeza uma artista ímpar e deu um pito no funcionário pelo fato de não tê-lo avisado que tal diva estava em seus estúdios.
O funcionário, ressabiado e com medo do patrão, respondeu gaguejando:
- “É só nossa faxineira bulindo no microfone”.
- “Pois a partir de hoje procure por outra faxineira, porque ela vai ser contratada e fazer parte do cast da Cacique”.
Só que não foi do jeito que Zilá pensava. Ela deixou a faxina, sim, mas foi contratada como operadora de som, já que tinha “experiência” pelo tempo que treinou como curiosa. Ela, é claro, topou. Não demorou muito para que fosse, finalmente, registrada como uma das "estrelas da Cacique". Vieram, finalmente, o comando de programas, a participação em radionovelas, como radio atriz e escritora das novelas até as apresentações de programas.
A carreira de Zilá começou em 1949 na Rádio Clube de Sorocaba. Ficou até junho de 1987 na Rádio Cacique AM, quando foi contratada para que participasse da programação da Ipanema, que seria colocada no ar por meio dos estúdios montados na rua Capitão Nascimento Filho.
Zilá seria ainda relações públicas. Cabia a ela ir conhecer e fazer contato com todas as gravadoras baseadas na Capital para trazerem os discos dos principais cantores e cantoras, cujas músicas se encaixassem no estilo de nossa programação da emissora.
Zilá Gonzaga foi uma das responsáveis por criar a discoteca da rádio até ganhar programa próprio, o Ipanema na Madrugada, campeão de audiência, onde tocava sucessos sertanejos e interagia com um imenso público da região.
O sepultamento deverá ocorrer nesta sexta-feira (14). O local ainda não foi divulgado pelos familiares.