FOLHAPRESS
O projeto de formar uma aliança de centro-direita para a eleição de 2022, nascido de uma articulação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do apresentador Luciano Huck, foi torpedeado nesta segunda-feira (9) por líderes políticos de esquerda e direita.
Apesar disso, seus defensores trabalham para que essa frente seja ampliada. Um dos objetivos no momento é atrair para ela o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
A ideia de criar uma "terceira via" para a disputa da Presidência surgiu durante almoço de Huck e Moro em Curitiba no dia 30 de outubro, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo neste domingo (8).
Não ficou definido quem seria o cabeça de chapa numa eventual candidatura conjunta. O objetivo é buscar um caminho do meio entre a direita atrelada ao presidente Jair Bolsonaro, que deve buscar a reeleição, e candidaturas de esquerda como as do PT e de Ciro Gomes (PDT).
Mal foi revelado, o projeto começou a sofrer críticas, sobretudo pela presença de Moro. O ex-juiz da Lava Jato enfrenta resistências em razão de sua participação no governo Bolsonaro, quando defendeu pontos polêmicos, como o excludente de ilicitude. Essa medida ofereceria maior proteção legal para policiais que atingissem pessoas em ações armadas.
Um dos primeiros a atacar a aliança foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Não posso apoiar uma chapa integrada por alguém de extrema direita", disse ele à Folha de S.Paulo.
"Moro já defendeu ideias e divide a parte do eleitorado de extrema direita com Bolsonaro. Por isso ele cai nas pesquisas quando disputa com o presidente", completou o presidente da Câmara, que almoçou nesta segunda-feira (9) com Huck, no Rio de Janeiro, num encontro que estava previamente agendado.
"A gente está sempre conversando, discutindo muito mais os cenários de curto prazo, o que o governo deveria fazer, a agenda econômica, a agenda social, do que uma preocupação com o processo eleitoral", disse Maia.
Para o presidente da Câmara, o resultado da agenda do governo Bolsonaro nos próximos seis meses é que vai ditar a regra das eleições de 2022.
Por parte da esquerda, a possível aliança recebeu críticas de Ciro, durante visita a São Paulo para ajudar na campanha de Márcio França (PSB) à prefeitura.
"No dia em que Doria, Huck e Moro forem de centro, eu sou de ultraesquerda, o que eu nunca fui", afirmou Ciro.
Aludindo ao fato de Moro ter ido para o governo Bolsonaro após ter condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele afirmou: "Isso é uma lesão ética que transforma o Moro para mim num grande malandro, num corrupto que durante o governo Bolsonaro tudo o que pôde fazer fez para acobertar os filhos ladrões do Bolsonaro".
Já sobre Huck, Ciro disse que ele não está preparado para ocupar a Presidência. "O Luciano Huck é um apresentador de televisão. Ok, é uma tarefa das mais dignas. Isso o prepara para enfrentar a maior crise social e econômica do Brasil? Isso o habilita a ser [presidente da República]? Só a irresponsabilidade de algumas pessoas da elite brasileira é que permite a gente acreditar nisso", disse o pedetista.
Na cúpula do PT, a avaliação é que a formação de uma "terceira via" é um projeto que na prática será impossível de concretizar, em razão da hiperinflação de presidenciáveis querendo carregar essa bandeira:
Sergio Moro, Luciano Huck, Mandetta, João Amoêdo (Novo) e João Doria (PSDB), por exemplo.
"Querem reproduzir de forma equivocada por aqui o que felizmente deu certo na eleição americana com o [Joe] Biden. Acham que a maneira de derrotar o Bolsonaro é juntando todo mundo, e que a esquerda vai aceitar isso tudo de forma subordinada, como era no passado", diz o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), ex-presidente nacional do PT.
No almoço em Curitiba, realizado na varanda do apartamento de Moro, ele e Huck decidiram manter contato permanente e trabalhar por mais nomes para sua aliança.
Mandetta, que foi demitido do Ministério da Saúde de Bolsonaro por discordâncias na condução do combate à pandemia, afirma que já vem conversando com o ex-juiz e o apresentador.
"Isso está muito incipiente ainda. Vai ser a tônica de 2021 inteiro", diz.
"Eu tenho conversado com o Moro, com o Amoêdo, com o Huck, o que eles estão achando, como é que está, como é que não está, mas volto a repetir: é muito distante ainda de ter um projeto para o país", completa Mandetta.
O ex-ministro sugere inclusive criar meios, nos moldes de uma fundação, para institucionalizar esse projeto de "terceira via".
"Isso tem que partir de uma coisa mais institucionalizada, uma fundação, um grupo de pensadores. Cadê o pessoal da educação, o povo da segurança pública, cadê o povo da saúde, da liberdade de imprensa? E há alguns temas da pauta de costumes que têm que ser abordados, como a questão LGBT, de gênero", afirma.
O ex-ministro, contudo, pertence ao DEM, mesmo partido de Maia, o que pode dificultar sua participação em uma aliança futura.
Outro a ser procurado para uma aliança é Amoêdo, cujo partido, o Novo, destaca-se pela defesa do liberalismo econômico e do menor tamanho do Estado.
"Já troquei ideias com o Moro e com o Mandetta rapidamente. Para mim a preocupação sempre é fazer um projeto para o Brasil, pensar as instituições, dar liberdade ao cidadão. A gente tem que discutir, mas colocar nomes nesse momento é prejudicial", diz Amoêdo.
De acordo com ele, uma incógnita é a linha programática que uma eventual aliança de Moro e Huck teria. "As visões de mundo não estão claras. Não sei o que o Moro e o Huck pensam sobre privatização, ou sobre reforma administrativa", afirma.
No almoço de Curitiba, o ex-juiz e o apresentador acertaram que uma eventual candidatura conjunta teria a abertura da economia como um dos três pilares. Os outros seriam o combate à corrupção e à desigualdade social.
Doria também é alguém que pode participar da construção da aliança. Mas o fato de o tucano já ter dado sinais claros de que não abre mão de ser candidato a presidente pode ser um empecilho para um entendimento.